Mais um dia

Hoje, como faço há cerca de mes e meio saí de casa às 6.oo.

Levantei-me às 5 e 15 e espera-me um longo dia.

É noite ainda, a cidade está adormecida. Vou levar o meu filhote que continua impossibilitado de conduzir. A manhã anuncia-se calma e limpa.

Sem o vento agreste que ontem a esta hora se fazia sentir.

Fiz a ponte 25 de Abril sem problemas, cheguei a Almada que está quase deserta ainda. O transito flui ordeiramente.

Custa a acreditar que dentro de hora e meia vai ficar cheia de carros. Pessoas que vão para os empregos.

Estou de volta. 7 e 30. O transito caótico. Completamente parado. O acesso à ponte é o meu castigo diário, como se já não estivesse suficientemente castigada.

Olho ao meu redor.

Lá no meio num Renault vermelho, está alguem que já hoje chorou, penso. Em 2ª fila mesmo ao meu lado um casal começa o dia a discutir. E o transito parado. Avancei mais um pouco. À minha frente um casalinho beija-se com ternura.

O telemóvel toca. A esta hora que terá acontecido? É o meu filhote Rui.

Digo bom dia filho. Ele ri com aquela gargalhada que me sabe tão bem e responde: boa tardemãe.

Pois é nunca me lembro do fuso horário, quando o meu dia começa o dele está quase a terminar .

Quer saber do irmão. Sim está a recuperar muito bem, respondo convicta. Deus é grande e vai ajudá-lo.

Diz-me com sorrisos na voz que o bébé jã teve alta do hospital. Está de regresso ao amor dos pais, ao seio familiar, ao colinho doce da mãe, ao braços vigorosos do pai. Que bom, fico tão feliz, tenho tantas saudades do meu pequenote.

Como estou? Eu? que sim, estou muito bem . Cansada? não filho, nada cansada.Olho-me ao espelho. De olhos fechados para não me assustar com a imagem que retrovisor me mostra. Mesmo assim assusto-me. Tenhos os olhos esbugalhado e vermelhos de sono. As olheiras chegam-me quase ao queixo de cansaço. Pareço um goraz ardido com 15 dias de frigorifico. No minino. Bolas lá deixei meter mais um carro. O delicado condutor agradece-me com um aceno de mão. Não reparou que eu estava apenas distraida a contemplar-me, a horrorizar-me. É bonito o carro dele, acho que é aquele Megane, ultimo modelo, penso. Preto, brilhante lustroso. Ar condicionado. Tambem tenho, mas está avariado. Aliás ultimamente tenho muita coisa avariada na minha vida. Posso sempre abrir a janela, para apanhar ar.

Lisboa amanhece. É linda. A minha cidade é linda. São 8 e 45 e nem cheguei à portagem.No rádio passa a minha canção favorita da Enya, Amarantine. Acendo um cigarro e sinto-me quase feliz. Apetecia-me um café. Cheguei à portagem, maravilha. E desespero logo em simultaneo. Deixei a carteira em casa. A funcionária com um ar profissional, indiferente ao meu desanimo, responde: Não há problema tem 3 dias para vir pagar.

Olha a matricula, escreve qualquer coisa e entrega-me um papel, branco frio e impessoal.

Pois, tenho 3 dias para pagar 1,30Euro. Vai-me custar vir de novo a hora do almoço, para pagar . De novo fazer a ponte. Mais um dia sem tempo para almoçar. Também, eu queria mesmo emagrecer, por isso tudo se conjuga.Cheguei. 10 horas. Vou ainda tomar o tal café. Porque não, já estou tão atrasada.

Deparo com a empregada habitual, os clientes habituais, os gestos habituais.

Quando sai de casa havia anjos a olhar-me por entre as nuvens, estrelas penduradas no ceu, a piscarem-me um sorriso bondoso, e as folhas de outono não caiam..