""Eu segurei muitas coisas em minhas mãos e eu as perdi; mas tudo que eu coloquei nas mãos de Deus eu ainda possuo." Martin Luther King

Um presente inesperado

Chovera toda a noite. As ruas eram autênticas ribeiras, arrastando na enxurrada toda a espécie de detritos. Os carros passando a alta velocidade espalhavam, indiferentes, água suja sobre os transeuntes, molhando-os, sujando-os. O Tonito seguia também naquela onda humana, sem destino. Tinha-se escapulido da barraca, onde vivia. Os pais tinham saído cedo para o trabalho, ainda ele dormia, os irmãos ficaram por lá brincando, chapinhando na lama que rodeava a barraca. Ele desceu à cidade, onde tudo o deslumbrava. Todo aquele movimento irregular, caótico, frenético. Os automóveis em correrias loucas, as gentes apressadas nos seus afazeres. E lá seguia pequenino, entre a multidão, numa cidade impávida, indiferente, cruel mesmo. Passava em frente às pastelarias, olhava para as montras recheadas de doçuras, ele comera de manhã um bocado de pão duro e bebera um copo de água. Vinha-lhe o aroma agradável dos bolos, o seu pequeno estômago doía-lhe com fome! Chovia agora mansamente, uma chuva gelada, levando uma cidade onde se cruzavam o fausto, a vaidade, o ter tudo, os embrulhos enfeitados das prendas, com a dor a melancolia, o sofrimento, o ter nada e no meio uma criança triste e com fome! Mas o Tonito gostava era de ver as lojas dos brinquedos. Lá estavam os carros de corrida, o comboio, os bonecos, enfim todo um mundo maravilhoso que ele vivia, esborrachando o nariz sujo contra a montra. Lá dentro ia grande azáfama nas compras de Natal. E os carros de corrida, o comboio, os bonecos eram embrulhados em papeis bonitos para irem fazer a alegria de outros meninos. Uma lágrima descia, marcando-lhe um sulco na sujidade da carita. Eis que os seus olhos reparam num menino, que de lá dentro o olhava. Desviou-se envergonhado. Não gostava que o vissem chorar. E afastou-se devagar, pensando nos meninos que tinham Natal, guloseimas e carros de corrida para brincar. Ele nada tinha, além da fome e a ânsia de ser feliz e viver como os outros. Pensou no Natal, no Menino Jesus, que diziam que era amigo das crianças a quem dá tudo. Por que é que a ele o Jesus Pequenino do presépio nada dava? De repente, uma mãozinha tocou-lhe no ombro. Voltou-se assustado. Era o menino da loja que lhe metia na mão um embrulho bonito. À frente a mãe, carregada de embrulhos, fazia de conta que nada via. Abriu-o e deslumbrado viu um carro de corridas, encarnado, brilhante, como os olhos do menino que lá ao longe lhe acenava. Ficou um momento sem saber o que fazer, mas depois largou a correr, mostrando bem alto a sua prenda de Natal. Parara de chover. O sol tentava romper as nuvens escuras, lançando um raio de luz brilhante e quente sobre o Tonito, que ria feliz, numa carita sulcada pelas lágrimas. * (Prof. Vaz Nunes)

8 comentários:

Penélope disse...

Que histéria mais emocionante!
Saudades de ti, amiga Isabel.
Grande abraço

MYS disse...

Aí...
que história mais linda...

retrata um pouco de nós quando eramos crianças...

e riamos felizes c/ nosso presente de Natal!

grande beijo,
abç de luz
MYS

Diogo Didier disse...

PRESENTE INESPERADO! Foi rever o seu rosto no meu cantinho...como vc está hein?! espero que bem! Já estava sentindo falta do seu blog, mas estou tão tanto para postar quanto para comentar nos blogs que gosto...

Obrigado pela linda visita! bjoxxxxxxxxxxxxxx

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida

Um texto lindo...cheio de ternura e amor, adorei passar aqui outra vez.

Beijinhos com todo o meu carinho
Sonhadora

Tétis disse...

Querida Maysha

Linda e comovente esta história que hoje connosco partilhas.

Infelizmente quantos Tonitos existem por aí. Quantas caritas sujas com narizitos esborrachados nas montras das lojas, quantos olhos abertos de espanto e desejo de um brinquedo, dum docito que alegre as suas pequenas vidas mas já grandes de privações e miséria!...

Amiga, primeiro foste tu a estar ausente, ultimamente tenho sido eu. As coisas nem sempre correm como queremos e os problemas e as preocupações tomam-nos todo o tempo...

Já estava com saudades de ti, de te visitar, de te ler.

Em breve voltarei.

Beijinhos

franciete disse...

Meu anjo lindo por onde tem andado, que saudades de você, pensei que nos tinha deixado espero do fundo do coração que esteja bem de saúde.
Fiquei tão feliz que nem lhe sei dizer mais nada se algo disse-se agora estragava, porque fiquei deveras emocionada.
voltarei breve para te ler e comentar, beijinhos de luz e muita paz.

Argos disse...

Olá

Se toda a gente recebesse "um presente inesperado", o mundo era bem melhor!
Sabes? Por muito dinheiro que se tenha, todos temos necessidade de algum tipo de presente.

Abraço

Mara Santos disse...

Agradeço e retribuo a sua visita carinhosa.
Achei o seu "cantinho" muito lindo e acolhedor.
passarei a seguí-lo.
Beijo e bom dia.
Mara